Livro conta como um imigrante sueco enganou investidores americanos nos anos 20 ao prometer lucro fácil a quem aplicasse dinheiro em sua fábrica de fósforos — e inspirou fraudadores como Bernard Madoff
Guilherme Fogaça, da EXAME

Um homem com muita credibilidade entre investidores oferece, por anos seguidos, uma oportunidade de negócio com ótima rentabilidade. Uma crise repentina e devastadora, no entanto, acaba com a festa. As bolsas desmoronam. Céticos, os aplicadores deixam de injetar dinheiro e começam a pedir explicações. Descobre-se que o lucro resulta de um esquema de pirâmide, em que os recursos das novas aplicações são usados para pagar o retorno de antigos investidores. A sequência de fatos narra perfeitamente a história de ascensão e queda do gestor de recursos Bernard Madoff, ex-presidente da bolsa eletrônica Nasdaq. Apesar da assustadora semelhança, o homem em questão é outro. Trata-se de Ivar Kreuger, um sueco que decidiu aproveitar a euforia de investidores nos Estados Unidos nos anos 20 e se tornou uma espécie de fonte de inspiração para uma série de outros espertalhões, como Madoff, condenado em junho deste ano a 150 anos de prisão. Sua trajetória está esmiuçada em The Match King — Ivar Kreuger, the Financial Genius Behind a Century of Wall Street Scandals (“O rei dos fósforos — Ivar Kreuger, o gênio financeiro por trás de um século de escândalos em Wall Street”, numa tradução livre), escrito por Frank Partnoy, professor de direito e finanças da Universidade de San Diego.
Embora esquemas desse tipo sejam até hoje conhecidos pelo nome de outro fraudador dos anos 20, o italiano Charles Ponzi, Partnoy defende que cabe ao sueco o mérito (se é que a palavra pode ser usada neste caso) de ter mantido a farsa por mais tempo e com artimanhas muito sofisticadas. “O esquema de Charles Ponzi durou apenas alguns meses”, diz Partnoy. A pirâmide de Kreuger durou uma década, num emaranhado de empréstimos que giravam em torno da expansão internacional da fábrica de fósforos de sua família. Tanto Ponzi quanto Kreuger viveram num ambiente especialmente propício à ascensão de fraudadores. Na década de 20, enquanto a Europa buscava formas de se reerguer após a Primeira Guerra, as ruas das principais cidades americanas estavam cheias de carros novos. As famílias de classe média compravam seus primeiros artigos de luxo e um grupo de novos investidores começava a aplicar na bolsa de valores. Na hora de investir, a preferência dos americanos recaía sobre produtos com alta demanda, como automóveis e rádios. Disposto a aproveitar a onda consumista, Kreuger, na época com 42 anos, partiu para os Estados Unidos para oferecer um produto absolutamente simples, necessário para acender lâmpadas de querosene, aquecedores a gás e cigarros: fósforos. Inventados por um químico alemão em 1832, os palitos de fósforo eram considerados perigosos, porque a substância amarela usada para atear fogo era tóxica e podia acender acidentalmente. Os suecos aperfeiçoaram o produto alemão e passaram a produzir um fósforo vermelho, mais seguro e que só acenderia se fosse riscado na superfície da caixa. Em 1922, segundo Partnoy, a Suécia era a maior exportadora mundial de palitos de fósforo — e uma das principais empresas era a Swedish Match Corporation, da família de Kreuger.
Kreuger aportou em Nova York determinado a seduzir investidores locais que sustentassem a expansão internacional da empresa da família — em troca, oferecia a promessa de lucro fácil. Com o dinheiro, convenceria governos europeus, que na época penavam para se reerguer do pós-guerra, a conceder a ele o monopólio do mercado de fósforos. “A equação se completava: os americanos tinham dólares e queriam investir, os governos europeus tinham o poder de garantir monopólios em seus territórios e a indústria de fósforos tinha um potencial de retorno alto para oferecer aos americanos”, diz Partnoy. “O que estava faltando era um mediador para unir esses três grupos.” Kreuger levou a proposta ao Lee Higginson & Co., de Nova York, um dos bancos de investimento mais lucrativos da época. Com o apoio do banco, ele criou uma companhia mundial, a International Match, e emitiu títulos aos investidores americanos com a promessa de retorno anual de 25%.
Após a operação, Kreuger tinha 16 milhões de dólares nas mãos — e os investidores, apenas uma promessa. Para conquistar a confiança do mercado, Kreuger não podia demorar muito para conseguir algum monopólio na Europa e avistou sua melhor chance na instabilidade política da Polônia, cujo presidente havia sido assassinado no final de 1922. O país recebeu a proposta de Kreuger, que incluía um empréstimo em troca da exclusividade na produção dos fósforos, como uma solução para seus problemas financeiros. Até o fim de 1927, Kreuger havia fechado acordos de monopólio em uma dúzia de países. As ações da International Match tinham triplicado de valor e Kreuger começou a usá-las como moeda para a compra de outros negócios, como bancos, mineradoras, ferrovias e distribuidoras de filmes. No caminho, criou um mecanismo para continuar a crescer sem dar poder aos investidores: dividiu as ações da empresa em duas classes e ofereceu aos investidores um novo tipo de papel, chamado de tipo B, que dava direito a um milésimo de voto. “Depois da iniciativa de Kreuger, muitas companhias seguiram seu exemplo”, diz Partnoy.
Kreuger construiu um império na economia real, mas financeiramente a conta não fechava. Os empréstimos oferecidos aos governos europeus rendiam muito menos do que o retorno prometido aos investidores, e as operações da International Match não eram suficientes para cobrir a diferença. Já que o negócio em si não dava o retorno necessário, Kreuger aproveitava sua reputação no mercado para levantar mais dinheiro com novos investidores e cumprir suas obrigações com os antigos. No meio da euforia, os investidores pouco se importavam com a falta de informações sobre as operações da companhia e nem sequer prestavam atenção nos raros dados que eram divulgados. Ninguém percebia nem mesmo erros crassos, como o fato de o balanço da International Match, por exemplo, mostrar a evolução das receitas da empresa desde 1921, apesar de a companhia ter sido criada apenas em 1923.
Em 1929, no entanto, a situação mudou. A chegada da crise levou pânico a Wall Street e as bolsas desmoronaram. Segundo Partnoy, Kreuger sabia que não poderia perder o que era seu principal negócio: a credibilidade com os investidores. Ele próprio comprou diversos títulos de sua companhia na tentativa de evitar a queda nos preços. Independentemente dos bons resultados apresentados pela International Match, a falta de confiança havia tomado conta do mercado — e Kreuger ficou abalado com a nova realidade. Pela primeira vez, os bancos de investimento questionavam suas transações. Para evitar interrogatórios desagradáveis, Kreuger ficava isolado o máximo de tempo possível. Em 1932, pouco antes de uma reunião com o banco de investimento Lee Higginson e seus auditores em Paris, ele se suicidou. Os papéis da International Match desabaram e os legisladores americanos tomaram o exemplo de Kreuger como algo que nunca poderia acontecer de novo. “Ele se transformou num símbolo dos excessos da década de 20. As investigações do Congresso em suas companhias resultaram em regras de segurança que governam os mercados até hoje”, diz Partnoy. Segundo o autor, o escândalo de Kreuger teria sido o embrião de um movimento que culminou na criação da SEC, órgão que regula o funcionamento do mercado financeiro americano, em 1934.
De lá para cá, muitas coisas mudaram — na legislação, na sofisticação dos produtos vendidos pelas empresas e nos tipos de aplicação oferecidos aos investidores. Mas, como os inúmeros seguidores de Kreuger mostraram, certas características do mercado financeiro — e da natureza humana — nunca mudam.
Fonte: Portal Exame
http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/0949/noticias/quando-piramide-vira-po-489973?page=1&slug_name=quando-piramide-vira-po-489973